Agronegócio
Nem com a pandemia do Covid-19 para o agronegócio brasileiro
Desde março, a hashtag #oagronãopara ganhou as redes sociais. Não se sabe exatamente quem a criou, mas sua finalidade é clara: o agronegócio nacional quer ser visto pela sociedade urbana e ter reconhecido seu papel de promotor do bem-estar social. Usada por produtores rurais, empresas, entidades e influenciadores digitais ligados ao setor, a hashtag tem potencial para se tornar um dos slogans mais fortes na história do agronegócio – que, de fato, não falhou em sua função de abastecer a mesa do consumidor brasileiro e ainda exportar para cerca de 170 países.
“O Brasil foi um dos poucos países a aumentar as exportações durante a pandemia”, diz o engenheiro agrônomo e agricultor Roberto Rodrigues, que também é coordenador do Centro de Agronegócio na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas. “Provamos ter uma capacidade de reação muito rápida.”
Nos últimos meses, a produção brasileira seguiu em frente, enquanto a Europa fechava fronteiras e proibia o trânsito de mercadorias; países como Cazaquistão e Vietnã suspendiam suas expressivas exportações de farinha de trigo e arroz, respectivamente; e nos EUA a indústria frigorífica se aproximava de um colapso por causa dos inúmeros contágios da doença entre funcionários. “A pandemia trouxe de volta para a vida cotidiana a questão da segurança alimentar”, diz Rodrigues. “Há países produtores de alimentos dizendo que não vão exportar o excedente.”
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Não é o caso do Brasil. Os dados de janeiro a julho, os mais recentes do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) no fechamento desta edição, mostram que o país enviou ao exterior 131,5 milhões de toneladas de produtos agrícolas por US$ 61,2 bilhões, valor 9,2% acima do mesmo período de 2019. Para o ano, a expectativa é ultrapassar os US$ 96,9 bilhões apurados em 2019 e bater o recorde histórico de US$ 101,2 bilhões de 2018, com um dólar valorizado que injeta ainda mais recursos na economia local. Grãos, carnes, produtos florestais, café e açúcar representam a maior parte desse comércio lá fora, principalmente para os países asiáticos liderados pela China.
Para confirmar um novo recorde, as lavouras estão cumprindo sua função de encher silos e navios. Faltando pouco para fechar a safra de grãos 2019/2020, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) projeta uma colheita de 253,7 milhões de toneladas, 4,8% maior que a safra anterior. Na safra 2020/2021, que começa a ser plantada nos próximos meses, a estimativa é de 278,7 milhões de toneladas de grãos – para, na safra seguinte, ultrapassar a barreira de 300 milhões de toneladas, que há alguns anos era a meta para 2030. “Mais grãos saindo do nosso campo requer também mais mercados”, disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em evento da Conab realizado no final de agosto. “Isso é uma das prioridades da minha gestão: a abertura de mercados e a diversificação de produtos na pauta de exportações.”
Desde que assumiu a pasta, a ministra já abriu cerca de 60 mercados para produtos brasileiros. A pauta vai de carne bovina in natura para a Tailândia, um mercado potencial da ordem de US$ 100 milhões nos próximos anos, a pequenas produções quase artesanais como castanha-de-baru para a Coreia do Sul, castanha-do-pará para a Arábia Saudita e gergelim para a Índia. “O pequeno produtor é essencial para o tecido social do campo”, diz Rodrigues. O Brasil tem 5 milhões de propriedades rurais, das quais 2,5 milhões são pequenas áreas de até 10 hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) do agro foi de R$ 1,55 trilhão, 21,4% do PIB brasileiro. A previsão para 2020 é subir a 23,6%.
“Quando a pandemia chegou aqui, medidas imediatas foram tomadas. A ministra Tereza Cristina foi muito hábil”, diz João Martins, presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). “Em um primeiro momento, até falou-se em desabastecimento, mas rapidamente ela veio a público dizer que não existia essa possibilidade.” Martins lembra as medidas tomadas em reuniões da ministra com produtores e agroindústrias: elas foram da garantia de embarque nos portos à infraestrutura logística, com postos de combustíveis, borracharias e alimentação dos caminhoneiros para que as cargas não ficassem paradas nas estradas.
Para Marcello Brito, presidente do conselho diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), com mercados abertos cabe ao setor privado ocupar os espaços. “E para ocupar espaços é preciso ser competitivo”, diz ele. “Se perguntassem a qualquer um do agro se iríamos quebrar recordes em meio a uma pandemia da proporção que estamos vendo, nem mesmo o mais otimista diria que isso aconteceria.”
O bom resultado é fruto do apetite das empresas nos mais variados segmentos, mesmo daqueles que a princípio parecem ter pouca relação com comida no prato. O setor florestal, por exemplo, representa a terceira maior pauta de exportações, atrás do complexo soja e carnes. Neste ano, produtos como papel, celulose e madeira já renderam US$ 6,6 bilhões, equivalentes a 16% do mercado total exportador brasileiro. Matéria-prima para itens de higiene – que passaram ao centro das recomendações de infectologistas –, a celulose respondeu por US$ 3,6 bilhões. No ano passado, as exportações de produtos florestais renderam US$ 12,9 bilhões.
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Walter Schalka, CEO da Suzano Papel e Celulose, maior empresa global de celulose de eucalipto, afirma que está na mão da indústria a formatação de um novo mundo para a celulose brasileira nas próximas décadas. Entre os usos em crescimento está o tecido para a indústria têxtil, um mercado global da ordem de 105 milhões de toneladas. “A celulose de fibra curta, como a produzida no Brasil a partir de eucalipto, é mais competitiva que a de fibra longa produzida na Europa”, diz ele. “Caminha, também, para ganhar o lugar do plástico, um produto de custo ambiental elevado por causa da emissão de CO2.” O impacto da cadeia de florestas plantadas é negativo para carbono.
No caso da fibra curta, o mercado global cresce a um ritmo de 8% ao ano – e vai acelerar, aposta Schalka. O Brasil tem 9,9 milhões de hectares de florestas plantadas, das quais 70% são de eucalipto, segundo o IBGE. Não à toa, a Suzano ajustou pouco o volume de investimentos para 2020, passando de R$ 4,4 bilhões para R$ 4,2 bilhões. O principal destino desse dinheiro é a construção de mais uma fábrica de celulose no município de Ribas do Rio Pardo (MS). No ano passado, a receita da companhia foi de R$ 26 bilhões, resultado da exploração totalmente rastreada de 1,3 milhão de hectares de florestas plantadas.
Para Roberto Rodrigues, da FGV, o mundo trabalha a favor do agronegócio brasileiro, restando ao país costurar os melhores acordos comerciais, buscar as tecnologias mais disruptivas, moldar negócios em empresas e cooperativas que agreguem mão de obra qualificada e apostar na ciência para continuar no caminho da modernização do campo. “Com a ciência intermediando esse movimento, ninguém morre no meio do caminho.”
Grãos em escala global
O Brasil colhe a maior safra de sua história, consolida-se como um fornecedor seguro para o mundo e segue em busca da produtividade máxima
O executivo César Borges de Souza pertence à família que fundou a Caramuru Alimentos, em 1964. Hoje, ela é a maior processadora de grãos controlada por brasileiros. Disputa espaço com tradings globais como Cargill, Bunge, Louis Dreyfus, Cofco, Glencore, Amaggi. Souza é vice-presidente e conselheiro da Caramuru, mas também é fazendeiro no Mato Grosso, onde planta soja em 2.400 hectares na fazenda Calixbento, em Nova Canaã do Norte. A área cultivada representa 20% da fazenda, como manda a lei, e é pequena para os padrões do Centro-Oeste. Embora seja dono da terra há 40 anos, Souza só vestiu a roupa de fazendeiro há dez anos, quando decidiu investir no grão com a ajuda do filho Eduardo.
A história é comum a muitos agricultores. Há uma década, a produção de soja batia recorde no ciclo 2009/2010 com apenas 68 milhões de toneladas colhidas, 11 milhões acima do ciclo anterior, cultivada em 23,2 milhões de hectares. A produtividade também foi recorde na época: 48,8 sacas por hectare. Na safra atual, com a colheita finalizada, o Brasil continua se superando. Colheu 120,9 milhões de toneladas, o que coloca o país no topo da produção global, ocupando 36,9 milhões de hectares – enquanto a produção cresceu 77,8% no período, a área cresceu 59%. Com 53,4 sacas por hectare, a produtividade atual está 10% acima daquele recorde. “Nossa fazenda está produzindo acima da média da região, como acontece nas mais tecnificadas”, garante Borges. Em Colíder, centro da região, a média está em 65 sacas por hectare.
A soja é o símbolo mais acabado da pujança da agricultura brasileira, mas ela não explica tudo. Caso o ritmo do agronegócio se mantiver, os estrategistas do Mapa preveem para o ciclo 2029/2030 uma supersafra que pode chegar a 367,6 milhões de toneladas de grãos, incluindo culturas como milho, trigo, arroz, feijão. “O Brasil é a bola da vez, e muito do ganho que vem pela frente será em produtividade ou ocupando áreas de pastagens degradadas”, diz Borges.
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Para Marcello Brito, a descentralização da produção ajuda a explicar o que ocorre no Brasil. “Soja e milho são plantados do Maranhão ao Rio Grande do Sul, de Rondônia ao oeste da Bahia”, afirma. “E nem falamos em outras culturas, como açúcar, café, frutas.” Roberto Rodrigues complementa que o atual bom momento é resultado de um conjunto de elementos, entre eles uma logística mais arrumada e a produção de grãos mais perto de onde estão sendo consumidos ou escoados, no caso o norte do país. E tudo isso com poucos subsídios agrícolas, quando comparados com outras partes do mundo. “No Brasil, os produtores têm recebido cerca de US$ 1,3 bilhão por ano de ajuda financeira, enquanto nos Estados Unidos, China e União Europeia recebem US$ 1 bilhão, mas essa soma é mensal”, afirma Rodrigues. “Aqui, muitos investimentos são por conta do setor.”
No caso da Caramuru, a empresa está investindo R$ 100 milhões em um transbordo de grãos no município de São Simão (GO), o segundo maior do país. Vai funcionar na hidrovia do canal de São Simão, para colocar barcaças no transporte de grãos. “Há dois anos também investimos em Itaituba (PA), no rio Tapajós, construindo um transbordo para cargas com destino ao porto de Bremen, o segundo maior da Alemanha e o maior em recebimento de soja não transgênica do mundo. A Caramuru processa 2 milhões de toneladas de grãos por ano e exporta 25% de sua produção industrial, sendo parte em soja convencional.
A empresa, que possui 64 armazéns, a maior parte em Goiás, recebe grãos de uma área equivalente a 300 mil hectares de cultivo. “Nós acreditamos na economia circular, em agricultura familiar e no potencial de crescimento do agro brasileiro”, diz Souza. A crença tem dado resultados. “De janeiro a julho deste ano nossa receita cresceu 47,6%: ela foi de R$ 3,4 bilhões, contra R$ 2,3 bilhões no ano passado.” Caso esse crescimento permaneça linear até o fechamento do ano, a Caramuru também poderá fechar o ano batendo recorde.
Carne à moda da casa
A indústria frigorífica se prepara para um grande salto de produtividade da pecuária na próxima década, com mais sustentabilidade em toda a sua cadeia de valor
Em dez anos, a pecuária brasileira deve avançar em um terço a atual produção de carne bovina, a mais cobiçada proteína animal na mesa do consumidor. Deve saltar dos atuais 9,9 milhões de toneladas em equivalente carcaça para 14,2 milhões de toneladas em 2030, volume 16% maior. Juntando suínos e aves, o país tem potencial para chegar ao final da próxima década produzindo 34,9 milhões de toneladas de carnes, um aumento de 23,8%, de acordo com estimativas do Ministério da Agricultura. Nenhum outro país crescerá tanto nesse setor – e com um importante componente adicional: serão, cada vez mais, cadeias produtivas sustentáveis, em arranjos tecnológicos baseados na ciência e no gosto do consumidor. No ano passado, o PIB da pecuária foi de R$ 494,8 bilhões, valor que corresponde a 32% do total do setor. Para 2020, a estimativa é que ela cresça pelo menos 1,5%.
No caso dos bovinos, o futuro aponta para a criação em uma menor área de pastos, em sistemas integrados com outras atividades, como a agricultura e o cultivo de florestas. “Os processos de inovação da cadeia estão na natureza”, diz Miguel Gularte, diretor presidente da Marfrig Global Foods. A brasileira, que está entre as maiores empresas globais de proteína animal, com operações também nos EUA, Argentina, Uruguai e Chile, fechou 2019 com receita de R$ 49,9 bilhões, valor 11,4% acima do ano anterior. “A pecuária cresce em produção e produtividade, com melhorias sanitárias, produtores cada vez mais tecnificados e com melhor genética e nutrição dos rebanhos. Sustentabilidade não é mais uma opção, é a única opção.”
O Brasil tem 216,9 milhões de bovinos nas mãos de 1,3 milhão de pecuaristas, segundo dados do IBGE atualizados em agosto. É o maior rebanho comercial do mundo, com abate anual em 2019 de 32,4 milhões de animais. O rebanho brasileiro representa um quinto do gado criado no planeta. No ano passado, as exportações bateram recorde: foram de 1,8 milhão de toneladas e US$ 7,59 bilhões, crescimento de 12,4% e 15,5%, respectivamente.
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Neste ano, até julho, o país exportou 1,1 milhão de toneladas, 10% acima do mesmo período do ano passado. A fatura para os sete meses foi de US$ 4,7 bilhões, com a espetacular alta de 25%. A Ásia, com destaque para a China, é a engrenagem desse motor. “Vendíamos metade de nossa produção para o mercado interno e a outra metade era exportada. Hoje, 70% vão para o mercado externo”, afirma Gularte.
Na China, o consumo per capita de carne bovina é inferior a 5 quilos por ano. De frango são 8 quilos per capita e de suínos, acima de 44 quilos. Aí está a chave de uma generosa parte do crescimento. “O mercado chinês passa por uma transformação muito grande em seu processo de urbanização, com hábitos mais ocidentalizados”, afirma Fernando Queiroz, CEO da Minerva Foods, companhia que faturou R$ 18,2 bilhões no ano passado, valor 6% acima de 2018.
Com operações também no Uruguai, Paraguai, Argentina e Colômbia, a Minerva é a maior exportadora de carne in natura da região. “Com a redução do rebanho bovino na Austrália e a febre suína na China, a América do Sul atravessa um bom momento”, afirma Queiroz. Neste ano, 70% da carne bovina que está entrando no país asiático sai de Brasil, Argentina e Uruguai. China e Hong Kong – que compra basicamente para os chineses – há cinco anos respondiam por 20,4% da carne exportada pelo Brasil. Hoje respondem por 63%. Em 2019, esses dois mercados compraram do Brasil US$ 3,4 bilhões em carne bovina.
Mas Gularte e Queiroz também colocam olhos no mercado interno. Até 2030, o consumo doméstico deve saltar das atuais 7,5 milhões de toneladas e encostar em 10 milhões. “O mercado interno vinha crescendo antes da Covid. Levou um baque, mas a economia brasileira deve cair menos do que se esperava”, diz Gularte. “Claro que o mundo pós-Covid será mais pobre e competitivo, mas com clientes buscando mais segurança, mais produtos sustentáveis. Essa é uma vertente para o planeta, para nossa gente e para nossos consumidores”, afirma Queiroz.
Os executivos afirmam que o Brasil precisa mostrar ao mercado a sustentabilidade de toda a cadeia da pecuária. Das três de proteína animal, a bovina tem sido a mais pressionada. Para Queiroz, as discussões sobre a pecuária na Amazônia Legal, uma área de 5,2 milhões de quilômetros quadrados que corresponde a 61% do território brasileiro, não têm segredos. “O tema não é novo para nós. Há dez anos a Minerva segue programas de sustentabilidade, um conjunto de ações em que estão não apenas os animais, mas as pessoas também”, afirma. Desde 2013, a companhia é orientada pelos padrões de governança e sustentabilidade da International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial. “Precisamos dar respostas claras e científicas de que não precisamos desmatar a Amazônia, esse não é o negócio da pecuária”, diz ele.
Gularte vai na mesma linha. De acordo com o executivo, para a Marfrig, o próximo passo é rastrear toda a cadeia pecuária, do bezerro ao abate. “Em 1996 eu trabalhava no Uruguai e, naquela época, 100% do gado abatido para os Estados Unidos já era rastreado”, afirma. “Estou convencido de que o Brasil vai fazer o mesmo.” Em julho, a Marfrig apresentou um plano nessa direção. Vai investir R$ 500 milhões nos próximos dez anos na tentativa de rastrear totalmente o gado abatido. No caso da Minerva, buscar uma solução para conhecer a origem do gado foi uma das condições para a IFC, em 2013, injetar US$ 85 milhões na companhia – e é isso que ela vem tentando, desde então.
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O grande apetite chinês
O país asiático precisa de alimentos para 1,4 bilhão de pessoas e para satisfazer sua classe média ávida por produtos diversificados
Wendong Zhang estudou ciências ambientais na Universidade Fudan, em Xangai, uma das prestigiadas instituições da China. Doutor em economia agrícola e especialista em relações entre o seu país e os EUA, desde 2015 ele é professor na Universidade de Iowa. Zhang é o retrato de uma China cada vez mais urbanizada e rica. Na origem, embora o pai seja professor, a família é de agricultores. “Meu tio produzia trigo e hoje produz pepinos em estufas, que são enviados a Pequim, cerca de cinco horas ao norte da plantação”, conta Zhang. E mostra uma fotografia do prefeito de sua cidade natal promovendo as hortaliças locais na rede social Tik Tok, plataforma chinesa para vídeos de até 15 segundos, com 2 bilhões de downloads em 2019.
O tio de Zhang também empunha seu smartphone enquanto caminha pelas estufas. “Por que eles estão fazendo isso? Porque mais de 800 milhões de chineses compram pelo celular. Há dez anos, a gente não imaginava que isso iria acontecer.” Antes da Covid-19, eram 500 milhões de clientes online. Zhang contou essa história a um grupo de 908 brasileiros e 76 americanos que participavam, nos últimos dois meses, de um curso de empreendedorismo promovido pela Universidade de Iowa e pela AgroBravo, de Curitiba (PR), empresa especializada em viagens técnicas para o agronegócio.
Pepinos são apenas uma amostra de um país ávido por produtos diversificados no campo, mas que não tem como produzi-los. Até 2030, dois terços da classe média global estará no Sudeste Asiático, entre eles 350 milhões de chineses. “Mas, enquanto Índia e Indonésia têm restrições religiosas para alguns produtos, o consumidor chinês é mais ganancioso, porque ele quer de tudo.”
Tudo, para Zhang, significa comprar o que for possível e não apenas soja e milho para ração animal. Isso porque, para a sua população, a produção agrícola doméstica é insignificante. Embora o país seja tão extenso como os EUA, detém apenas 7% das terras agricultáveis do mundo. O Brasil detém acima de 22% e os americanos, 15%. “A China não espera depender tanto de outros países em culturas como arroz, trigo e suínos. O objetivo é ser autossuficiente”, diz Zhang. “O resto a China vai buscar no mundo.”
Consumir produtos como vinho, amêndoas e frutas, entre elas cereja e abacate, é sinal de riqueza. “As cerejas chilenas são vistas como sinal de status. Você compra e mostra para o vizinho para ficar claro que chegou a um nível de renda maior”, conta Zhang – lembrando que, na China, 600 milhões de pessoas ainda vivem com menos de US$ 140 por mês. Do total da população, 42% ganham mensalmente até 1.000 Yuan, algo em torno de R$ 580 em 2019. Entre 1.000 e 2.000 Yuan estão mais 26% da população.
Mas, para a nova classe média, nada se compara ao desejo pela carne bovina, embora o consumo de carne suína dobrou os 22 quilos per capita de três décadas atrás. No caso da carne bovina, a mudança de hábito vem ocorrendo na última década. Hoje, os chineses estão comendo, em média, 500 gramas a mais. “Se multiplicar meio quilo por 1,4 bilhão de pessoas, a gente começa a ver que há uma movimentação gigante no mercado”, afirma Zhang.
Essa demanda é explicada pelo comportamento do PIB chinês. Sem a Covid-19, ele já havia caído de 10% para 8% ao ano – agora prevê-se que fique entre 4% e 6%. Mesmo assim, o crescimento equivale à economia inteira da Austrália, atualmente o maior fornecedor de carne bovina para a China. Mas o Brasil deve buscar uma fatia cada vez maior. “Estados Unidos e Brasil, com suas produções agrícolas visando os asiáticos, vão se tornar cada vez mais importantes”, diz Zhang. “Isso está claro.”
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O futuro
Embrapa, principal instituição pública de pesquisa agropecuária brasileira, mostra o que esperar da tecnologia no setor
Responda rápido: que aplicação financeira renderia R$ 12 para cada R$ 1 investido? Procurando bem, de poupança a ações, não seriam muitas. Mas ela existe e faz parte da vida de todo brasileiro. Esse é o valor que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) devolveu à sociedade em 2019, através de inovações tecnológicas que saíram dos laboratórios da instituição e impactaram a vida de muita gente. É o chamado lucro social, resultado dos processos de pesquisa e desenvolvimento nas mãos de 1.200 especialistas, 1.000 mestres, 2.100 doutores e 320 pós-doutores. “Somente com a fixação biológica de nitrogênio no solo, o Brasil economizou R$ 22 bilhões na safra de soja 2019/2020, quase seis vezes o orçamento deste ano para a Embrapa”, diz o engenheiro agrônomo Celso Moretti, que desde o fim do ano passado é seu presidente. “Isso mostra o quanto a pesquisa é necessária”, diz ele.
O nitrogênio é um dos nutrientes que mais limitam a agricultura nos trópicos. Sua fonte a partir de combustíveis fósseis, os chamados fertilizantes nitrogenados, são os de custo mais elevado para os produtores. A Embrapa, então, desenvolveu inoculantes a partir da década de 1970 para a região Centro-Oeste e, desde então, não parou mais de aperfeiçoá-los. Trocando em miúdos, são bactérias fixadas nas raízes da soja que sequestram o nitrogênio diretamente da luz solar. Não por acaso, há alguns anos o Brasil disputa com os EUA o posto de maior produtor do planeta dessa leguminosa. E essa é apenas uma das centenas de tecnologias desenvolvidas pela entidade.
A depender da agenda de 2020, o lucro social da Embrapa – que completou 47 anos – segue seu curso histórico. A mais recente tecnologia que ganhou o mercado foi a Carne Carbono Neutro (CCN), projeto criado em 2012 na Embrapa Gado de Corte, unidade de Campo Grande (MS), por 14 pesquisadores liderados pela zootecnista e doutora em ciência animal e pastagens Fabiana Villa Alves. Inserida nesse conceito, no dia 25 de agosto a Marfrig Global Foods anunciou sua marca de carnes Viva, já disponível nas lojas da capital paulista do Pão de Açúcar. A carne é a primeira proveniente de rebanhos nos quais foi medida a mitigação dos gases de efeito estufa por meio de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). No lançamento da Viva, Fabiana era uma das convidadas de honra. “A carne carbono neutro é uma iniciativa única no mundo, é a transformação da ciência em um selo comercial”, disse ela.
A CCN faz parte de um pacote no qual estão a Agricultura de Baixo Carbono (Plano ABC) e a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída em 2017 para monitorar os biocombustíveis na redução de gases do efeito estufa. O RenovaBio, que entrou em vigor em dezembro do ano passado, abriu ao mercado os Créditos de Descarbonização (CBios), ativos financeiros negociáveis em bolsa. No início de agosto, a Associação Brasileira de Biogás anunciou a primeira compra de CBios para compensar as 18 toneladas de CO2 emitidas em suas operações em 2019. Medir o sequestro de gases de efeito estufa abre ao país um mercado global de crédito de carbono da ordem de US$ 240 bilhões. “Mas o que gostaria de ver, no futuro, é a propriedade carbono neutro”, afirma Moretti.
A pesquisa e a inovação desenvolvidas na Embrapa estão fincadas sobre quatro pilares. Um é formado pelos sistemas integrados, dos quais a ILPF é um deles; os outros são agricultura digital, bioeconomia e edição gênica. No caso da agricultura digital, as unidades de pesquisas estão engajadas em projetos de internet das coisas (IoT), inteligência artificial, big data com tecnologia da informação e comunicação (TIC) e conectividade entre dispositivos móveis.
Na bioeconomia, a economia de base biológica, são cerca de 600 pesquisadores que se debruçam sobre organismos que reduzam o uso de pesticidas e fertilizantes, e no desenvolvimento de uma melhor estrutura física de plantas e solos. No ano passado, os bioinsumos movimentaram no país R$ 675 bilhões. “A bioeconomia está na base da exploração sustentável da Amazônia”, afirma Moretti. Um exemplo é a expedição realizada em julho pela Embrapa Amazônia Ocidental, de Manaus, que percorreu 7 mil quilômetros de rios coletando bactérias e fungos de potencial biotecnológico. A Embrapa possui um banco de 10 mil linhagens de bactérias, fungos e vírus controladores de pragas e doenças de plantas e mais de 14 mil linhagens de micro-organismos fixadores de nutrientes e promotores de crescimento de plantas. Em maio, o Mapa lançou o Programa Nacional de Bioinsumos visando justamente o fortalecimento desse setor com a criação de normativas e parcerias com empresas.
E, por fim, a edição gênica, que, trocando em miúdos, são tesouras biotecnológicas que editam o DNA de plantas, deixando-as resistentes a pragas e doenças, ou melhorando suas características. A técnica difere dos transgênicos por não introduzir em uma planta um gene exótico. Entre as pesquisas da Embrapa Soja, em Londrina (PR), está a busca por um grão mais nutritivo e de maior digestibilidade. Trabalha, também, em uma soja tolerante à seca, ligando e desligando um gene resistente à falta d’água. “Poderemos produzir soja no semiárido brasileiro ou em qualquer outra parte do mundo”, diz Moretti. “O papel da Embrapa é resolver os problemas e os desafios da agricultura e da pecuária, e ainda há grandes oportunidades.”
Reportagem publicada na edição 80, lançada em setembro de 2020
Fonte: Msn
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