O El Niño é um dos fatores que pode influenciar na previsão de recordes de temperaturas nos próximos quatro anos. De acordo com a Organização Mundial Meteorológica (OMM), há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar 1,5°C entre 2023 e 2027.
Mas o que é o El Niño? Qual a sua diferença para o La Niña? Os dois fenômenos determinam mudanças nos padrões de transporte de umidade e, portanto, variações na distribuição das chuvas em algumas partes do mundo — inclusive o Brasil.
Segundo o International Research Institute for Climate and Society, os dois fenômenos, El Niño (EN) e La Niña (LN), tem as seguintes características:
- tendem a se desenvolver entre abril e junho
- atingem o pico entre outubro e fevereiro
- duram entre 9 e 12 meses,
- podem persistir por até aproximadamente 2 anos
- recorrem em intervalos de 2 a 7 anos
Quando o El Niño está ativo a água do oceano na zona equatorial está mais quente — Foto: William Patzert/Divulgação
Ou seja, acontecem de maneira alternada e periódica, com um período de neutralidade entre eles. Bruno Kabke Bainy, meteorologista do Cepagri/Unicamp, explica que eles não impactam o mundo todo.
Para determinar que um dos dois fenômenos está em curso é preciso haver persistência na alteração de temperatura no Oceano Pacífico por, pelo menos, cinco ou seis meses de registros de altas ou quedas para que um dos fenômenos se consolide de fato.
Mais abaixo, você verá as respostas para algumas perguntas sobre os dois fenômenos respondidas por dois meteorologistas. São elas:
- O que é o El Niño
- O que é a La Niña?
- Por que eles acontecem?
- Tem relação com o aquecimento global?
- Quais os impactos no clima do Brasil?
- Quais os impactos em outros lugares do mundo?
- 2023: ano de El Niño
O El Niño é a fase positiva do fenômeno chamado El Niño Oscilação Sul (ENOS). Ou seja, quando ele está em atuação, o calor é reforçado no verão e o inverno é menos rigoroso. Isso ocorre porque ele dificulta o avanço de frentes frias no país, fazendo com que as quedas sejam mais sutis e mais breves.
O ar se torna mais seco e passa a circular para baixo, o que dificulta a formação de chuva e está associado a períodos de secas.
De acordo com o meteorologista Bruno Bainy, ele se caracteriza como temperaturas acima da média na região do Pacífico Equatorial, na região leste, invertendo a circulação normal do ar (como demonstrado no infográfico mais abaixo).
“Só que isso não fica só no oceano. Como oceano e atmosfera são sistemas que atuam em conjunto, isso acaba repercutindo também na situação geral da atmosfera e causa variabilidade climática em várias partes do mundo”, explica.
Esse mecanismo por meio do qual a temperatura da superfície das águas interage com o ar atmosférico e muda o comportamento das chuvas é chamado de teleconexão.
El Niño e La Niña — Foto: Arte g1/Luisa Rivas
Já no caso da La Niña, é reforçada a circulação do ar atmosférico e o processo é inverso. Ou seja, enquanto o El Niño aumenta as temperaturas, La Niña derruba.
“Fica em torno de 0,5ºC abaixo da média”, explica Estael Sias, meteorologista do MetSul. Ela relembra que, durante o carnaval deste ano vivemos dias frios, o que é um reflexo do fenômeno.
O efeito, especialmente no Centro-sul do país, é aumentar o período da chegada de massas de ar frio, que alcançam o continente mais cedo e se prologam durante a primavera e verão, fora de época. Consequentemente, as chuvas são reduzidas e isso pode provocar problemas de abastecimento de água, como já ocorreu na Argentina e Uruguai.
E vale ressaltar que não necessariamente um fenômeno não vai produzir efeito contrário do outro nos lugares cujos climas são influenciados por eles.
3- Por que eles acontecem?
Por causa do aquecimento e resfriamento das águas do Oceano Pacífico, que é o maior oceano do planeta.
Estael explica que eles também são chamados de “fenômenos acoplados” porque começam no oceano, com resfriamento ou aquecimento, e depois de um tempo começam a impactar na atmosfera.
Nesse exato momento, já está sendo observada uma mudança no oceano, no entanto ainda não há nenhum dos dois na configuração clássica porque isso exige um período de consistência para consolidar a formação do fenômeno.
Daqui a quatro ou cinco semanas essa alteração oceânica começará a gerar consequências na atmosfera, o que posteriormente demarcará o surgimento do EN.
“Quando falamos da configuração básica, o patamar mínimo é 0,5°C grau de resfriamento ou aquecimento, e para isso demanda muita energia porque é o maior oceano do planeta”, explica a meteorologista sobre o porquê demora para poder confirmar a atuação do fenômeno.
4- Tem relação com o aquecimento global?
Não. Bruno explica que essa variabilidade climática é diferente de mudança climática (que é definitiva, quando o regime climático como um todo se altera e cria um novo padrão).
“Elas são perturbações, como ondas, causando uma alteração temporária no regime climático, na ordem de algo entre 1 a 2 anos”, diz.
No entanto, as mudanças climáticas devem afetar inclusive esses mecanismos de variabilidade porque a propria circulação dos oceanos deve mudar e afetar como o clima vai repercutir ao redor do globo.
“Um ano de Super El Niño pode reforçar o aquecimento global. É um bate volta, se retroalimentam”, explica Estael.
5- Quais os impactos no clima do Brasil?
El Niño
- causa secas no Norte e Nordeste do país (chuvas abaixo da média), principalmente nas regiões mais equatoriais;
- provoca chuvas excessivas no Sul do país e no sudeste do país.
- as temperaturas ficam mais baixas no Sudeste, principalmente nos meses de verão;
- no Sul são esperadas secas;
- nas regiões mais equatoriais do Norte e Nordeste são esperadas chuvas acima da média.
6- Quais os impactos em outros lugares do mundo?
A tendência é que sejam produzidos efeitos durante o verão. Na Oceania e Indonésia, quando ocorre EN, o tempo fica mais seco. Quando ocorre LN, o clima se torna mais chuvoso.
Em partes do leste da África, fica mais seco e quente. Na costa leste da África, na região mais equatorial, a tendência q o EN deixe mais chuvoso e mais ao sul do continente mais seco e quente. Já nos EUA, o principal efeito é nas temperaturas, o inverno fica mais quente, menos rigoroso.
Entre os anos de 2015 e 2016 aconteceu o que é chamado de Super El Niño e, atualmente, a configuração observada indica que em 2023 é possível que ele ocorra novamente em grande intensidade.
A escala do fenômeno é medida de acordo com os seguintes parâmetros:
- até 0,9°C de mudança na temperatura é considerado fraco,
- a partir de 1,4°C é médio;
- de 1,5°C até 2°C é forte;
- um aquecimento ou resfriamento de 2,5°C ou mais é classificado como super.
Durante praticamente três anos de LN, os impactos foram sentidos principalmente no centro e Norte do Brasil entre dezembro e fevereiro. Agora, é esperado que o EN se instale oficialmente em junho, antes do previsto. Em geral, ele começa a ocorrer em setembro.
“Esse outono mais quente já pode ser um efeito dele”, diz Bruno. E, se confirmado esse cenário, grandes volumes de chuva são esperados.
Ainda segundo o meteorologista, conhecer como esses mecanismos afetam o clima é essencial, uma vez que eles atuam a longo prazo e provocam mudanças que, embora sejam temporárias, persistem e alteram padrões de chuva e de temperatura em muitas áreas do Brasil.
Lidar bem com isso requer o planejamento de recursos hídricos e diversas atividades. É importante o conhecimento disso e o acompanhamento para melhor gerenciamento de risco e de atividades no geral
— Bruno Bainy, meteorologista
Fonte:G1