Agronegócio
Cientistas desenvolvem mandioca para a Indústria com 51% a mais de amido
Uma nova variedade de mandioca é capaz de produzir, já no primeiro ciclo, 45% a mais de raízes e 51% a mais de amido. Esse é o desempenho registrado nos experimentos da BRS 420 comparando às cultivares usadas no centro-sul do País, região para a qual a nova raiz foi projetada.
Ela também é adaptada ao plantio direto, prática em expansão na região, que confere estabilidade produtiva e conservação ambiental. A região centro-sul concentra 80% da produção brasileira de fécula de mandioca, o amido extraído da raiz.
“A variedade apresenta excelente comportamento produtivo tanto em colheitas precoces, de dez a 12 meses após o plantio, quanto tardias, até 24 meses, o que assegura flexibilidade de colheita e amplia a janela de comercialização,” informa o pesquisador Marco Antonio Rangel, que atua no campo avançado da Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA) localizado na Embrapa Soja (PR).
“Quando a gente fala que é precoce, pode parecer que só produz no primeiro ciclo, mas não. No segundo, ela é também muito produtiva. Em um ano como este, por exemplo, em que os preços estão de razoáveis a bons, o produtor já tem opção de colheita no primeiro ciclo. E em um ano em que o preço não estiver tão bom, o produtor pode optar por colher depois”, ressalta Rangel, que é o responsável pelo trabalho de avaliação e validação do material na região. A BRS 420 é oriunda do programa de melhoramento genético da mandioca da Embrapa Cerrados (DF) (veja quadro “Em busca de novas variedades”).
Ele ressalta que o lançamento da cultivar procura atender à demanda número um da cadeia produtiva no centro-sul: a diversificação de variedades. Em 2016, foi lançada a BRS CS01, a primeira variedade da Embrapa para indústria recomendada para a região, também altamente produtiva. “Haverá produtores que vão adotar as duas, como já estamos vendo, outros vão gostar mais da BRS CS01, outros da BRS 420, as duas não competem entre si. São materiais com características semelhantes. Uma vai se adaptar melhor em uma condição, a outra, em outra. Temos mais quatro candidatas a variedades prontas para lançar,” anuncia Rangel.
“Com essas novas variedades, os produtores estão obtendo um parâmetro de produção superior, o que faz crescer o padrão de exigência deles. Isso é extremamente positivo e, ao mesmo tempo, aumenta a demanda para desenvolvermos materiais cada vez melhores. Por outro lado, eles também se conscientizam de que é necessário um cuidado maior de suas lavouras para que as novas variedades se expressem em toda a sua plenitude”, avalia o cientista.
Segundo ele, a BRS 420 chegou a ultrapassar a produção de 60 toneladas por hectare, nos experimentos. Em pequenas áreas de produtores, ela tem superado 50 toneladas por hectare no primeiro ciclo. “Hoje, infelizmente, temos visto na região as variedades locais ficarem no primeiro ciclo em torno de 20 toneladas e, no segundo, nem isso”, conta.
Adaptada ao plantio direto e à mecanização
Na maioria dos ambientes de experimentação, os pesquisadores utilizaram o sistema de plantio direto (SPD) sobre pastagens ou restos de culturas anuais. Também chamado de plantio mínimo ou reduzido, o SPD preconiza o não revolvimento do solo e é utilizado em grandes culturas de grãos, como milho, soja e trigo.
“Oitenta por cento dos ambientes em que a variedade está sendo trabalhada são de plantio direto. A BRS 420 é muito adaptada a esse sistema. Responde bem em qualquer espécie de palhada, em vários ambientes no Paraná e Mato Grosso do Sul, e também em São Paulo está indo bem, embora ainda não esteja recomendada para lá. É um material estável, seguro, precoce e produtivo”, pontua Rangel.
Trata-se também de uma variedade muito adaptada à mecanização. O pesquisador relata que foi feito um trabalho com um protótipo de máquina colhedora e, dos materiais testados, foi o que apresentou melhor rendimento de colheita, com perdas bem inferiores à colheita manual. “Por isso, no momento em que a colhedora de raízes se transformar em uma realidade, a cultivar já indica potencial forte de adaptação a essa máquina”, avalia.
Outra característica é a rápida cobertura do solo, o que ajuda no manejo das ervas daninhas. Por ser um material precoce, a BRS 420 tem um crescimento muito rápido e vigoroso, reduzindo consideravelmente a necessidade de capina, de acordo com o especialista. “Tendo um bom ajuste ambiental, o produtor pode conseguir fechar o ciclo sem necessidade de capina. É uma variedade que contribui de maneira muito relevante para o manejo integrado das plantas daninhas da mandioca”, afirma.
Alto teor de amido e resistência a doenças
Testes realizados em fecularias revelaram elevada aptidão da variedade para uso industrial, uma vez que suas raízes apresentam fácil descascamento e amido de alta qualidade. Os experimentos apontaram superioridade da BRS 420 em comparação às principais cultivares atualmente utilizadas na região no que se refere também à produtividade de amido: 51,5% a mais no primeiro ciclo e 46,6% no segundo. Outra característica importante é a facilidade de arranquio, em função da disposição horizontal de suas raízes.
Em relação às principais doenças da cultura, a BRS 420 apresenta boa resistência à bacteriose, superalongamento e antracnose. “Apresenta, por vezes, poucos sintomas, mas que não chegam a causar danos”, explica Rangel. Sobre a podridão radicular, um problema na região, o cientista diz que também não foram registradas situações de perdas significativas. “Logicamente, não recomendamos que seja colocada em áreas que ficam saturadas de umidade por muito tempo. Mas é um material seguro, em comparação a outros da região, por exemplo, a variedade Baianinha, que apodrece bastante.”
O que dizem os produtores
Parceiro no trabalho de avaliação dos materiais desde 2016, o produtor Victor Vendramin, de Paranavaí (PR), atesta o bom desempenho da BRS 420. “Já no primeiro ciclo, o desempenho é bem melhor comparado com as variedades tradicionais em termos de produtividade e expressão de acúmulo de amido por hectare. E tanto a BRS CS01 quanto a BRS 420 são variedades que classificamos aqui como modernas, já com aptidão para o plantio direto. As tradicionais reduzem de 15% a 20% sua produtividade em ambiente de plantio direto”, conta Vendramin, que afirma já ter 50% de sua área em SPD.
Segundo ele, a maior parte das variedades locais entrega normalmente cerca de 18 toneladas por hectare, até 12 meses após o plantio. “Essas variedades da Embrapa produzem, em média, 29 toneladas por hectare. Em algumas áreas, a gente já viu obter 37 toneladas por hectare. Vimos, portanto, pelo menos, 50% a mais de produção em relação às tradicionais”, relata o produtor.
No que se refere às doenças e pragas, Vendramin confirma que a BRS 420 tem mostrado maior resistência. “Quando plantamos mais de uma variedade, percebemos que a mosca branca, por exemplo, que foi um problema sério em 2019, tem preferência por outras variedades em relação às da Embrapa. A população chega a ser um terço da que ataca as outras variedades”, salienta. Ele conta também que a BRS 420 tem maior resistência à podridão radicular. “O bacana é que, ainda que exista incidência de podridão, não apodrece o pé inteiro. E a produtividade, mesmo tendo uma raiz podre, é maior do que as outras. Isso é legal, porque, ainda que aconteça, a capacidade de produção dela compensa o problema.”
A mesma situação foi observada pelo engenheiro-agrônomo Cleiton Zebalho, da Cooperativa Sul Matogrossense (Copasul), em Naviraí. “Com relação a pragas, identifiquei tolerância melhor à mosca branca. O material não atrai tanto o inseto comparado aos convencionais. E, quanto a doenças, observa-se uma resistência muito maior, tanto da BRS 420 quanto da BRS CS01, comparadas aos materiais presentes hoje no campo.” A Copasul é uma das instituições parceiras licenciadas, com cadastro no Registro Nacional de Sementes e Mudas (Renasem), do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), para atuar como multiplicadora da nova variedade.
Zebalho destaca ainda a alta produtividade da BRS 420 e sua precocidade. “Fiz uma colheita em 2017, no campo experimental, com um ciclo fechando 12 meses. Colhi, por hectare, 27, 28 toneladas. Os materiais convencionais dão, no máximo, 18 toneladas. E, se no primeiro ciclo, a cultivar tem uma produtividade assim, no segundo pode quase dobrar, chegando a 35, 38 toneladas por hectare. Ela tem potencial tanto no primeiro quanto no segundo ciclo. Por isso, aquela tradição de colher com dois anos está se perdendo. Isso é bom, os produtores sonham com materiais precoces e rentabilidade boa com um ano”, declara o agrônomo.
Ele ressalta também a vantagem da concentração de amido. “O material convencional aqui na mesma época do ano, junho e julho, que eu realizei a colheita, o pico máximo de concentração de amido era de 600 gramas. Cheguei a colher materiais da BRS 420 e da BRS CS01 com até 700 gramas de concentração de amido na amostragem de cinco quilos na balança hidrostática. A diferença é muito alta”, frisa.
Em busca de novas variedades
Desde 2007, a Embrapa avalia mais de 2,4 mil clones de mandioca nos estados do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo, em campos experimentais de instituições e produtores parceiros. Parte dessa coleção é gerada pelo programa de melhoramento genético de mandioca da Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), sob a responsabilidade do pesquisador Eduardo Alano, e parte pelo programa da Embrapa Mandioca e Fruticultura, em Cruz das Almas (BA), coordenado pelo pesquisador Vanderlei Santos. A BRS 420 é proveniente dos trabalhos na Embrapa Cerrados.
Alano explica que para o Centro-Sul é fundamental que os materiais apresentem resistência à bacteriose, principal doença da mandioca na região. “Essa doença não ocorre no Nordeste, mas no Cerrado. Por isso, pensamos em mandar os materiais daqui para testar no Centro-Sul. O ponto principal era o material apresentar resistência à bacteriose. Depois procuramos, nos cruzamentos, melhorar a arquitetura da planta; a adaptação ao plantio mecanizado; aumentar o teor de amido na raiz, por ser um material para indústria; produtividade; facilidade de colheita… Tudo isso a gente selecionou nas primeiras gerações. Foi uma quantidade boa de material para o Centro-Sul. Daí o Rangel começou a selecionar para outras características também, como resistência à podridão de raiz e superalongamento, adaptação ao plantio direto, etc.”, conta.
Na visão de Alano, esse trabalho traz embutido uma grande vantagem do ponto de vista institucional. “Estamos utilizando da melhor maneira possível os recursos públicos. Se desenvolvemos materiais para cá, e o Cerrado e o Centro-Sul têm alguma semelhança climática, então os testamos nas duas regiões. Já obtivemos êxito com as mandiocas de mesa [em 2015, foram lançadas para o Centro-Sul as variedades BRS 396 e BRS 399, também oriundas da Embrapa Cerrados]. Depois testamos os materiais para indústria e está dando certo. Conseguimos a BRS 420, lançada agora para Mato Grosso do Sul e Paraná e em fase de avaliação aqui no Cerrado. Em breve, deveremos ter uma extensão de recomendação da BRS 420 para cá também. Com isso otimizamos recursos,” ressalta.
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