(Fiona Goodall/Getty Images)
Enquanto todos buscam fugir do novo coronavírus, há quem aceite ser infectados por livre e espontânea vontade. Mas é por um bom motivo, claro. A ONG americana 1 Day Sooner, formada por médicos e epidemologistas, está convocando voluntários para testar a efetividade de vacinas contra o Sars-CoV-2 em humanos.
A organização não é filiada a nenhuma empresa que esteja financiando ou desenvolvendo vacinas. Não há previsão, então, de quando os voluntários entrariam em cena. Seja como for, o grupo já está grande; 3900 indivíduos de 52 países fizeram seus cadastros até a tarde desta segunda (27).
Mas, para entender o que a criação dessa plataforma significa para o desenvolvimento da vacina, é preciso saber como funcionam os testes que nos levam até a imunização. Estamos acostumados com aquele método clássico: após testes com células em laboratório e com animais, a vacina começa a ser aplicada em voluntários humanos. Eles são submetidas ao composto e a placebos de forma aleatória, depois retornam para casa. Os cientistas ficam monitorando para saber se essa pessoa vai ser infectada pelo vírus ou não e, depois, comparam os números para saber se a vacina cumpriu seu papel – se o grupo que tomou placebo adoecer mais do que aquele que tomou a vacina, temos um belo indício de que a vacina funciona. O problema é que esse estudo leva meses, ou anos.
Para acelerar as coisas, há um outro método menos conhecido, mas também bastante usado, o dos “human challenge trials” (teste com ‘desafio humano’). Nesse caso, o voluntário receber a imunização em teste e é obrigatoriamente infectado com o vírus causador da doença. Ele não retorna para casa. Fica sob observação durante o período de incubação do vírus. Assim, fica fácil identificar se houve resposta imune ou não – e tratar a pessoa caso o composto não funcione.
É para esse tipo de estudo que a 1 Day Sooner está recrutando voluntários – e daí o nome da organização (“um dia antes”, numa referência a acelerar as pesquisas por uma vacina).
Mas qual a diferença dos métodos em termos de efetividade? No estudo mais clássico, os resultados podem não ser certeiros, já que após a pessoa receber o composto ou o placebo, ela segue sua vida normalmente (em no caso da Covid-19, tomando os cuidados básicos). Então fica o impasse: ela pode não desenvolver a doença por causa da imunização ou simplesmente porque não teve contato com o vírus. Já nos human challenge trials essa dúvida não existe. A grande vantagem para os cientistas é o ganho de tempo. Eles não precisam monitorar a pessoa por meses, mas por algumas semanas apenas – se o voluntário não desenvolver a doença, mesmo tendo recebido uma injeção com o vírus, temos um indício de que a vacina funciona. Com o auxílio da 1 Day Sooner, as coisas ficam ainda mais simples, já que ela acelera o processo de recrutamento de voluntários.
Apesar de a plataforma facilitar o encontro entre indivíduos e laboratórios de pesquisa, há também como tomar o caminho direto. É o caso do Queen Mary BioEnterprises Innovation Centre, em Londres, que está oferecendo 3,5 mil libras (R$ 25 mil) para quem aceitar participar dos testes de suas vacina.
Também é preciso lembrar que esses voluntários estão colocando suas vidas em risco. Então, além do dinheiro, podem receber auxílio médico integral e preferência no uso de equipamentos de emergência, como respiradores.
O método de infectar diretamente humanos já foi usado em outras situações, como na busca de vacinas contra gripe, malária, febre tifoide, dengue e cólera. Num round de testes em busca de uma vacina contra a malária, em 2019, os voluntários recebiam 2,5 mil libras (R$ 17 mil).
Até o momento, há seis vacinas em potencial para a Covid-19 na fase de ensaios clínicos, ou seja, com teste em pessoas. Enquanto isso, 77 seguem na fase pré-clínica, com testes em laboratório e em animais. Confira aqui a lista da OMS com todas as empresas e tipos de vacinas sendo desenvolvidas. Dentro de um cenário favorável, a vacina deve chegar em um ano.
Os voluntários da 1DaySooner devem ter entre 20 e 45 anos e não podem apresentar doenças pré-existentes, ou seja, devem estar fora do grupo de risco.
Fonte: Veja